Acho uma ótima lição pra mim e pra você!
Nos anos 1980, cursos para roteiros de vídeo e tv eram novidade. Na época eu ganhava a vida como roteirista, e tive a oportunidade de ser professora em um desses cursos. Como a coisa toda ainda era recente, foi possível inovar bastante.
Outra oportunidade foi treinar como detectar preconceitos. A historinha é esta: soube que na minha segunda turma de alunos haveria uma freira. Reagi: Nossa! Uma freira querendo aprender a roteirizar? Para quê?
Fiquei dialogando com as dificuldades: Será que eu só poderei falar de filmes água com açúcar, enredos natalinos, ou tipo "Os Dez Mandamentos"? Como ela - a noviça - vai interagir com a turma de selvagens desbocados?
Enfrentei a parada. Para meu espanto, a aluna freira se mostrou aberta e interessada. Pude fazer o curso do jeito que eu queria. Acendeu uma lanterninha. Por que, em princípio, acreditei que haveria problemas? Por "pré-conceito", obviamente.
No ano seguinte aconteceu outra história semelhante. Agora eu tinha entre os alunos uma policial militar. Pus a mão na cabeça: Será que poderei me comportar com espontaneidade? Terei que censurar os temas dos debates? Também, como sempre, me preocupei com a reação da turma.
A policial militar era uma sargenta e ia fardada nas aulas. A coisa andou. E, mais uma vez, o espanto. Ela foi uma das melhores alunas que eu tive. Seu roteiro final foi superior ao dos outros. Era consistente e muito divertido.
Daí fiz a lição de casa. Fui preconceituosa com a freira, e voltei a ser preconceituosa com a policial militar. Quem seria a própria vítima: uma travesti, um garoto de programa, um pastor evangélico? Percebi que, na verdade, a vítima seria eu.
Pois o preconceito é faca com dois cortes: fere quem é discriminado e fere quem o pratica. Porque o preconceito fecha possibilidades. É um Não impossibilitando um Sim. Ele rasga um papel em branco. Não dá chance para que algo bom seja escrito.
Hoje, sempre que percebo que estou sendo preconceituosa - seja com uma pessoa ou com uma situação - puxo no HD da memória a freirinha e a sargenta. Lembro de como elas brilharam, e da minha cara de tacho.
Vale a pena conferir o seu blog: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/mente-aberta/abri-guarda-095538761.html